Provavelmente o tempo seja a mais impetuosa das forças sobre qual nossa decrépita realidade rasteja: Sobre ele, um ínfimo ponto de matéria expressa sua mais profunda inconformidade de ser tão pequeno; como se fosse um ser dotado de vontade, esse ponto se torna tudo. Não há mais um centro, toda realidade se desmancha e se arranja, abandonando a precária situação impossível de um espaço atemporal.
Sobre essa fornalha caótica, estrelas se formam, galáxias, nebulosas, buracos negros: o tempo entra em comunhão eterna com o espaço, dessa relação um mínimo de ordem acaba saindo do caos primordial.
E assim, de uma relação poliamorosa entre tempo, espaço, caos e ordem surge a vida, e uma vida cria novos significados ao tempo: para muitos, é um rio linear, águas correntes com um barqueiro que conecta todas as coisas entre a vida e a morte.
Para os menos ortodoxos o tempo é um oceano: sem começo nem fim, talvez um ciclo, uma malha plana de profundeza desconhecida. Para os mais insanos, o tempo seria uma árvore espelhada no solo estéril do espaço: galhos que ascendem em infinitas bifurcações e atravessam os céus, também dotada de raízes igualmente incomensuráveis, mas essas atravessam as entranhas da realidade e criam rizomas, tocando e atravessando os mais profundos infernos.
Como você lida com o Tempo?
Apesar de “tempo” ser uma palavra até banal nos dias de hoje, imagine como foi ao primeiro ser que finalmente se deu conta desta devastadora força natural? Sem uma linguagem para descrevê-la, sem ferramentas para lidar com o impacto da autoconsciência de sua finitude, mesmo um grupo grande de seres que compartilhasse não poderia lidar com o tamanho de algo que não se podia ver, nem sentir, mas sempre está presente em toda a volta.
Felizmente, o aparato biotecnológico de um corpo que suporta sua consciência já criava um mecanismo de defesa: esta máquina de guerra que tivemos contra a entropia do universo que busca constantemente nos transformar em pó é algo simples: percebemos o tempo com uma relativa suavidade, a lentidão da percepção aos eventos macroscópicos da natureza tornou a vida um pouco mais suportáveis.
Se a ideia de uma vida onde do nascimento a morte há um “instante” ínfimo era perturbadora, pelo menos sabemos que agora temos vários “instantes” entre a vida e a morte, talvez possamos criar vários bons momentos, criar novos “instantes”, e até esquecer de nossa mortalidade, por que não? Ou talvez com “tempo de sobra” teríamos mais espaço para refletir sobre a morte e usarmos melhor o finito tempo que estamos aqui? Ou então, talvez esquecermos de vez essas questões e levar uma vida arrastada e sonâmbula, ignorando as angústias e prazeres de se jogar tão descautelosamente sobre a afiada brisa do tempo?
A necessidade de um Calendário
Quando a máquina biológica de um corpo individual não era mais o suficiente para aguentar as angústias do Tempo, as sociedades se organizam, usando todo aparato do coletivo para uma tarefa aparentemente impossível: domar a natureza. Uma tentativa de não continuar a mercê de um infortúnio destino, ainda que muito dependesse da roda da fortuna, pelo menos todo esforço para minimizar o infortuito era uma vontade de potência bem vinda.
Olhando para os céus, a humanidade encara essa tarefa: criam sua subjetividade se inspirando para natureza, interpretando os mais diversos padrões celestes. As estrelas que estavam distantes agora faziam parte do cotidiano, influenciavam colheitas, atividades do cotidiano, datas comemorativas…
Diversos povos que jamais se encontraram desenvolveram algum tipo de calendário, métodos sofisticados de medição e organização temporal que atendiam bem as necessidades de cada povo, embora fossem imprecisos se comparados ao conceito moderno e científico do tempo que temos hoje.
Dos suméricos da Mesopotâmia, aos maias da América até o Imperador Amarelo (Huang Di) que criou o calendário na China, todos organizaram o tempo inspirado pelas estrelas, pela Lua e o Sol, ainda extrapolando para sistemas de contagem de tempo a um longo período, que se repetiriam de forma cíclica.
Em todos os casos, era quase como se a natureza usasse a sociedade para manifestar corporeamente o conceito de tempo: o que julgamos como uma ferramenta útil criada pelo ser humano para superar a natureza não seria a própria expressão da natureza em si?
Qual o problema da Organização do tempo?
Se antigamente a angústia era relativa ao temor da sociedade em relação as incertezas e impotência a eventos naturais, hoje em dia o problema é quase o oposto: Estamos tão entrelaçados na forma como a sociedade se organiza que tratamos isso como um axioma imutável, as ferramentas que antes serviam como algo que desse segurança e certa previsibilidade das forças aleatórias é algo que nos prende a uma rotina, um ciclo previsível de sete dias que se repete de novo, de novo, e de novo…
Se deuses do tempo fossem criados na modernidade, provavelmente um deles seria a figura de Garfield, um gato laranja segurando uma caneca de café, com uma expressão cansada e desanimada, ele diria “como eu odeio segunda-feira” – algo que expressa requintadamente a insatisfação do cidadão médio de repetir um ciclo laborial em um sistema capitalista. O espírito da segunda-feira, mesmo algo abstrato que não existe diretamente como fenômeno da natureza, é algo real no cotidiano de cada pacato cidadão.
Porém, há um estilo de vida onde a pessoa nunca sabe qual dia da semana está, nem em que mês e em alguns casos nem o ano se torna algo comum: formas de trabalho exploram a “flexibilidade” de horário para criar um estado de “não-ser” do tempo: o indivíduo que descarta totalmente o conceito do calendário atual não é um exemplo da “resistência” que abnega a ordem social, apenas é alguém cooptado de forma distinta, onde as incertezas se convertem em uma máquina de ansiedade, voltando ao problema inicial e natural de se lidar com o tempo.
A Proposta do "Manifesto"
Se você chegou até aqui por algum motivo sem saber do que se trata o “Filósofo Psicodélico”, basicamente se trata de um artista com um dom incrível de procrastinação: as ideias de projetos eram infinitas, porém a execução era feita de vez em nunca.
Sendo assim, muito menos do que uma “solução a angústia do tempo”, esse manifesto tem como objetivo apenas firmar uma obrigação específica: a publicação de uma ilustração e um pequeno texto feitos diariamente, homenageando algum evento aleatório que acontece naquele dia em específico, seja em qual ano for.
Mas por que? Ora, se tanto seguir uma rotina semanal quanto abandonar desleixadamente a ordem temporal estão fora de questão, uma das outras infinitas opções, talvez, seja de se relembrar o que o dia de hoje já representou em algum momento na história da humanidade: o que foi primeiro de janeiro em outros contextos? O que fez esse dia tão especial?
Enfim, algumas poucas regras serão seguidas (a principal delas é nenhuma evento global já conhecido será representado aqui, todo mundo já sabe que primeiro de janeiro representa o ano novo), também não espero colocar aqui aniversários de pessoas (a guerra a aniversários está declarada neste manifestos sem motivo nenhum aparente) – fora isso, esperem por curiosidades históricas, datas comemorativas em diversas culturas ou acontecimentos totalmente inúteis. Uma última regra é de que não poderei repetir datas (mas como é extremamente improvável que eu vá manter isso depois de 2023 essa regra é totalmente inútil).
Para encerrar, não garantirei a aleatoriedade total das informações divulgadas, e nem que elas seguirão alguma lógica específica, a única garantia é a de que várias almas extremamente indisciplinadas serão obrigadas a trabalhar em conjunto atrás de eventos. As postagens irão começar dia primeiro de janeiro e diariamente se pergunte todos os dias: o que já fez esse dia ser tão especial para mim?