Dia 15 de Fevereiro de 399 a.C. é a provável data em que Sócrates é condenado por voto pela democracia ateniense a morte por “corromper a juventude por rejeitar os deuses antigos e criar novos deuses”, acusação feita pelo poeta Meleto. Para entender como Sócrates recebeu tal condenação tão severa, é necessário compreender onde Sócrates queria chegar com sua filosofia e de que forma fazia isso, principalmente conversando diretamente com cidadãos atenienses.
Vale ressaltar que mesmo Sócrates sendo uma das figuras mais importantes e para muitos o pilar da filosofia ocidental, ele não deixou nenhum registro escrito, sua vida é descrita principalmente por Platão, seu principal discípulo, mas também aparece em textos de seus contemporâneos Aristófanes e Xenofonte (que em muito divergiam da figura de Sócrates de Platão), além de ser estudado posteriormente por Diógenes Laércio.
Sócrates começa a “sua missão” quando vai se encontrar com o oráculo de Delfos, perguntando a uma sacerdotisa quem era “o mais sábio dos homens”, a resposta o surpreende: “é Sócrates!”, já que ele não se considerava um sábio, e pouco conhecia sobre as verdades do mundo. Sendo assim, ele conclui que a sabedoria vem do auto conhecimento (“conhece-te a si mesmo”) de sua própria ignorância (“só sei que nada sei”). Sócrates então encara isso como uma “dádiva de Apolo”, o deus de Delfos, e então se dedica a levar esse conhecimento aos homens.
Sua filosofia investigativa o levava a interrogar aleatoriamente ateniense nas ruas, questionando sobre suas convicções e verdades em que acreditava. Sócrates se colocava em uma posição inferior a seu interlocutor, frequentemente dizendo “me ensine você, que é muito mais sábio do que eu”, dizia não de forma irônica, mas porque realmente acreditava que teria algo a aprender e também a ensinar que “todas as convicções e certezas estão fundadas na ignorância”.
Assim, Sócrates consegue muitos seguidores principalmente os jovens, pessoas que realmente começaram a refletir melhor sobre a própria ignorância e buscavam aprender mais. Porém, tal questionamentos o traz muitos inimigos, o que leva a julgamento pela corte.
Sob acusação de Meleto, Sócrates é condenado por 220 votos a favor e 280 contra a morte com tomando cicuta, mas tem a opção de escolher uma pena alternativa, que normalmente era o exílio. Porém, Sócrates se afirma inocente, e que tudo que faz é apenas pelo bem de Atenas. Se defende contra a acusação de que “prega contra os deuses”, já que se declara estar apenas seguindo a dádiva de Apolo, e diz que sua “pena” deveria na verdade poder continuar na cidade vivendo e comendo de graça. Tal posição deixa os atenienses furiosos: se na primeira votação a diferença foi de apenas 60 votos, uma segunda votação para manter a pena teve 360 votos a favor de uma bancada de 500.
Sócrates sai da situação de cabeça erguida, encarando a morte como nada mais que um longo sono. Disse aos seus acusadores que sua ação era fútil, pois eles não conseguiriam através de sua execução se livrar das dúvidas levantadas por seus questionamentos. A aqueles que votaram contra sua execução, ele convida que passem os último momento com eles, como amigos. Assim, Sócrates encara a morte rodeado de companheiros, antes de finalmente tomar o veneno e morrer. Dos principais presentes estava Críton, que posteriormente testemunha a morte e dá seu depoimento a Platão (que não estava em Atenas na ocasião), registra as últimas palavras de Sócrates: “Críton, devemos um galo a Esculápio (deus grego da cura). Pague a minha dívida!”.
“Afirmo que a vocês, varões (aos que me mataram), um castigo há de chegar logo depois da minha morte – muito pior, por Zeus, que aquele com que vocês me mataram. Porque vocês fizeram isso pensando que haveriam de se livrar de ter de submeter suas vidas à refutação, mas vai se passar com vocês inteiramente o contrário, conforme eu mesmo afirmo: serão mais numerosos os seus refutadores, aos quais eu continha, sem que vocês percebessem. E serão tanto mais duros quanto mais jovens forem, e vocês ficarão mais abalados ainda.Pois se vocês pensam que, matando homens, haverão de impedir que alguém os reprove por não viverem corretamente, não raciocinam corretamente; é que esse livramento não é de todo possível nem belo, mas aquilo sim é belíssimo e facílimo: não podar os outros, mas se equipar para ser o melhor possível!”
–Apologia de Sócrates (por Platão)
Mapeamento do Genôma Humano
no dia 15 de Fevereiro de 2001 terminava o grande projeto de mapeamento do genoma humano, publicado na revista Nature. O projeto que sequenciou 3,1 bilhões dos pares de base ao custo de cerca de 1 dolar por par de base, reunindo cientistas de diversos países através do National Human Genome Research Institute (NHGRI). A principal técnica utilizada foi o método de Shotgun, que consistia em duplicar trechos da cadeia de DNA aleatoriamente. Depois de sequenciados, os fragmentos eram reorganizados na forma de uma fita longa, denominada a sequência cânone.
Por isso o sequenciamento foi extremamente laborioso e demorado. Hoje em dia o método de Shotgun ainda é utilizado como uma etapa do processo de sequenciamento, mas devido aos avanços na área de bioinformática um sequenciamento completo pode ser feito em uma semana (em contraste ao primeiro mapeamento que levou mais de dez anos).
Voltando a Sócrates, vale a reflexão de “o que significa termos sequenciado todo genoma humano?”, talvez o motivo possa ser explicado pela frase gravada nas ruínas do oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”. Porém, nós temos a nossa frente mais de 3 bilhões de pares de base, representadas por 4 letras (A, T, C e G) o que tudo isso significa? A princípio, apenas revela o quanto somos ignorantes: o genoma se mostrava um livro indecifrável, ainda que haja muito avanço de 2001 até hoje no mapeamento de genes, prevenção de doenças, história da evolução, detecção de fósseis virais, comparação com outras espécies… cada uma dessas descobertas apenas levantou novas dúvidas, impulsionou novas pesquisas, quanto mais se conhece, maiores são os mistérios que desconhecemos, como uma grande Hidra que, conforme vamos cortando as cabeças, mais numerosas são as que crescem. No fim, basta acarretar as provocações de Sócrates: só sabemos que nada sabemos.
Referências:
- Apologia a Sócrates – Platão
- Fedro – Platão
- Scielo – Projeto Genoma Humano: um retrato da construção do conhecimento científico sob a ótica da revista Ciência Hoje