Foucault: A Ética do Cuidado de Si como Prática da Liberdade

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No dia 20 de Janeiro de 1984, Michel Foucault dá uma de suas últimas entrevistas antes de sua morte, que aconteceu poucos meses depois (25 de junho de 1984). A entrevista foi feita pelo filósofo cubano Raúl Fornet-Betancourt para a revista Concordia 6, da Pontificia Universidad Javeriana (Bogotá-Colômbia).

As perguntas marcaram a última fase da filosofia de Foucault, sobretudo sob o livro “Hermenêutica do Sujeito”, onde Foucault levanta um dos temas mais relevantes na filosofia: o cuidado de si. Existe uma tensão entre os temas “cuidado de si” e “conhecimento de si”, Foucault alertava sobre como a filosofia focava no “conhecimento de si” e a questão do “cuidado de si” ficou em segundo plano, e era muitas vezes um tema mal visto: o tema atravessa uma filosofia moral, quem cuida de si é tido como “egoísta”, um interesse individualista, um amor narcisista de si mesmo. Para Foucault, esse julgamento começou no cristianismo (embora reconheça que o cristianismo não seja o único culpado): O cristianismo falava sobre “cuidado de si” como a “busca pela salvação”, mas essa salvação vinha de uma “renúncia de si”, tornando a questão contraditória. 

Foucault, atribuindo a filosofia como tékhne toû bíou (“arte de viver”) voltava um pouco mais na linha do tempo, e destacava como o “cuidado de si” era algo importante para os gregos: “para se praticar bem a liberdade, era necessário se ocupar de si mesmo”, e ao mesmo tempo se conhecer, superar a si mesmo, “para dominar os apetites que podem arrebatá-lo”. Era uma visão comum aos cínicos, epicuristas e estoicos, como por exemplo Marco Aurélio, que “organizava um banquete a sua frente e se reservava a não comer, pois tinha controle pelos seus desejos”.

Nos jogos de verdade e práticas da liberdade, Foucault estabelece o importante papel do “poder”. Discordando de Sartre, que definia o poder como o mal, Foucault classificava como jogos estratégicos: Foucault se distancia do conceito de “poder” como “dominação”, ou “subjugação do outro”, passa a compreender o poder como ferramenta nas relações estabelecidas, entre si e o próximo. Usa um exemplo da pedagogia, saber mais do que um outro e tentar passar esse conhecimento visando o bem do próximo seria uma “relação de poder” nos “jogos de verdade”, não necessariamente existiria um mal implícito nessa relação.

Raúl Fornet-Betancourt pergunta: Será que esse cuidado de si que possui um sentido ético positivo, poderia ser compreendido como uma espécie de conversão do poder? Eis a resposta:

 

“Uma conversão, sim, É efetivamente uma maneira de controlá-lo e limitá-lo. Pois se é verdade que a escravidão é o grande risco contra o qual se opõe a liberdade grega, há também um outro perigo que à primeira vista, parece ser o inverso da escravidão; o abuso de poder. No abuso de poder, o exercício legítimo do seu poder é ultrapassado e se impõem aos outros sua fantasia, seus apetites, seus desejos. Encontramos aí a Imagem do tirano ou simplesmente a do homem poderoso e rico, que se aproveita desse poder e de sua riqueza para abusar dos outros, para lhes impor um poder indevido. Percebemos, porém, em todo caso, é o que dizem os filósofos gregos, que esse homem é na realidade escravo dos seus apetites. E o bom soberano é precisamente aquele que exerce seu poder adequadamente, ou seja, exercendo ao mesmo tempo seu poder sobre si mesmo. É o poder sobre si que vai regular o poder sobre os outros.”

 Michel Foucault, 1984

Referências:

  • Razão Inadequada – Foucault: Conhecimento e Liberdade de Si
  • Escola Nômade – A Ética do Cuidado de Si como Prática da Liberdade
  • Topologik.net – La ética del cuidado de uno mismo como práctica de la libertad
  • André Oídes Matoso e Silva, Universidade Federal de São Paulo – Uma nota sobre a visão da filosofia como uma “arte de viver”

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