Jakob Johann Freiherr Von Uexküll (1864-1944) foi um biólogo estoniano de origem alemã. Estudou zoologia e trabalhou nas áreas de comportamento animal, fisiologia muscular e cibernética da vida. É considerado por muitos o pai da biossemiótica ao introduzir o conceito de “Umwelt“ (mundo próprio).
Em seu livro “Biologia Teórica”, Uexküll faz uma breve introdução sobre o conceito de espaço, mostrando uma forte influência de Immanuel Kant. Para Kant, o espaço em si como é não poderia ser percebido por nós, o espaço que conhecemos seria mera forma das aparências do mundo exterior, apenas uma represantação projetadas em nosso cérebro, um mundo subjetivo.
Uexküll expande essa definição para os demais seres vivos, se questionando “como os animais percebem a realidade?”, sendo esse o conceito de “Unwelt”, que nada mais é o mundo percebido pelos organismos, a forma como a realidade está restrita aos seus sentidos e seus afetos com o ambiente.
Em sua principal obra “A Foray into the Worlds of Animals and Humans“, Uexküll apresenta o ciclo funcional (tradução de Funktionskreises), descrevendo a forma que os seres interagem com o ambiente. Para entender esse diagramas, começaremos pela relação entre o órgão perceptivo do organismo (Merknetz) que recebe um sinal do mundo perceptivo (Merkwelt) através do carregador perceptivo (Merkmalträger) de um objeto. Junto com a percepção dentro de um mundo interior (Innenwelt) do organismo, há também um efeito gerado pelos órgãos efetivos (Wirknetz), dentro do mundo de efeito (Wirkungswelt) que é carregado pelo carregador de efeito no objeto (Wirkungsträger). Assim gira o ciclo funcional, nada além de causas e efeitos gerados e compreendidos por um organismo em relação a um objeto: este é seu Umwelt.
Como exemplo prático ilustrado na tirinha, o mundo interior consiste em um intérprete (no exemplo a água viva) e um objeto (luz, som, temperatura, etc). O diagrama mostra que o objeto em si é construído apenas pelos sentidos do intérprete, segundo suas limitações de tato, sugerindo que o mesmo objeto pode ser interpretado de diferentes formas, segundo o Umwelt do intérprete em questão.
Jakob utiliza de vários exemplos para se compreender o Umwelt, em um deles ele cita o mecanismo de comunicação das baleias: o Unwelt das baleias permitem a detecção e tradução de sons inaudíveis a outros organismos, e são captados por outra baleia mesmo a centenas de quilômetros, esse Innenwelt de comunicação existe apenas no Unwelt das baleias. O trecho que inspirou a tirinha (também do livro A Foray into the Worlds of Animals and Humans) foi:
“do deque de um navio, você pode testemunhar na cintilante superfície do mar azul uma dança de silenciosos sinos de águas vivas flutuando em inúmeros flocos, como lindas flores de um jardim mágico. Assim um sentimento de inveja nos toma: ser capaz de flutuar nesse esplendor de cores, com alegria e liberdade, tocadas pela ressonância das ondas, através da radiante luz do dia e também uma noite de luar cintilante, um delicioso destino. Porém, as águas-vivas não sentem nada disso. Todo o mundo que nos rodeia, é algo fechado para elas. A única coisa que preenche sua vida é agitação, que é ativada pelo próprio animal, que sempre começa e termina na mesma sequência dentro de seu sistema nervoso.”
— Jakob Von Uexküll
Os conceitos de Uexküll são bastante citados por Heidegger para elucidar os conceitos criados por ele, como o dasein e o dasman em seu livro Ser e Tempo, considerando que o trabalho de Uexküll não se limita a descrever a percepção do espaço pelo organismo, mas também ao tempo, dando exemplos de animais tem uma percepção diferente do passar do tempo um do outro: se há a afirmação de que “não pode haver um ser vivo sem o tempo”, na visão de Uexküll (ou também heideggeriana) “sem um ser-vivo, não pode haver nem espaço e nem tempo”. O termo Umwelt volta a aparecer nos trabalhos de Binswanger na Desainanálise, onde são descritos três mundos do indivíduo: Umwelt (mundo da circunvizinhança), Eigenwelt (mundo próprio) e Mitwelt (mundo compartilhado). Há também como citar Wittgenstein, um grande filósofo linguístico que dizia “se um leão pudesse falar, não entenderíamos o que ele teria a dizer”, já que o mundo do leão é limitado a interações que não se assemelham as nossas atividades, a linguagem não daria conta de descrever o Umwelt do leão.
Há também influência na obra de Deleuze e Guatarri Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, onde é citado o primeiro exemplo de Uexküll, especificamente no capítulo “Devir intenso, devir-animal, devir imperceptível…” acerca do carrapato: ao ser atraído pela luz, ele se ergue em direção a um galho. Sensível ao odor de ácido butírico de um mamífero, ele se joga do galho em direção ao mamífero, quando esse se aproxima do galho, procura por uma área de pouco pelo para se alimentar. São três afetos e pronto, o carrapato dorme as vezes por anos, sua vida é limitada por afetos ativos e passivos: uma grande intensidade, o festim do carrapato se alimentando do sangue do animal, o devir animal entre o carrapato e depois se torna imperceptível e alheio ao próprio tempo, o seu declínio a sua própria morte. A percepção maquínica de Deleuze e Guatarri onde se descrevem máquinas, agenciamentos e fluxos desde a obra do Anti-Édipo em muito se assemelham ao pensamento de interações do Unwelt, ainda que Uexküll descrevesse mais os processos individuais do organismos, e não a sua relação rizomática e ampla como um todo em uma ecologia, como Deleuze e Guatarri descrevem.
Uexküll foi um pensador criticado pelo seu pensamento muitas vezes embasados na ortogênese: sendo um crítico ao darwinismo, também era um neo-kantiano com influências de Karl Ernst von Baer, biólogo defensor da ortogênese e que fazia pesquisas em embriologia. Uma de suas críticas ao darwinismo era a de que embora a teoria da evolução descrevesse o desenvolvimento a longo prazo dos organismos (vale ressaltar que Uexküll não era anti-evolucionismo) ele não descrevia bem as relações e desenvolvimentos do organismos no presente para um futuro próximo: para ele, faltava um “propósito”, um “grande plano” do organismo que não se limitava em apenas reprodução de genes, mas também para um objetivo e mudanças de comportamento presentes durante o período de vida do organismo em questão.
Assim, Seu trabalho, em conjunto com uma série de estudos posteriores realizados por diversos pesquisadores, contribuíram para construir o que hoje é a “biologia de sistemas”: enquanto o Unwelt traz uma interpretação individual de um organismo, a biologia de sistema promove a interação e compreensão de diversos organismos que interagem entre si. Da biossemiótica a ecossistemas, uma visão sistêmica e simplificada do conceito de Unwelt ajudou a prever como sistemas biológicos se comportam hoje em dia, sendo um exemplo recente de como uma linha de pensamento filosófica pode contribuir com a metodologia científica.
Referências: