O Nascimento de Montaigne

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Em 28 de Fevereiro de 1533 nasce Michael Eyquem de Montaigne na região de Guyenne, sudoeste da França. No contexto do século XVI, a humanidade passa por um grande mudança de paradigmas: a transição entre o período da idade média para o renascentismo, fase em que as autoridades feudais e religiosas são questionadas, o pensamento se volta a um individualismo prático, com o pensamento voltado para o antropocentrismo, com grandes eventos como a descoberta do continente americano, figuras como Copérnico, Galileu e Giordano Bruno que questionam a visão da Terra no centro do universo, guerras religiosas entre católicos e protestantes, além de uma grande epidemia que assolou a Europa.

Meio a esse cenário de grandes mudanças e incertezas, Montaigne vem de uma família recém-enobrecida, participando da vida pública e chegou a ser prefeito de Bordeaux, além do cargo de magistrado (algo entre parlamentar e juiz em termos atuais), onde conhece seu melhor amigo, La Boétie. No magistrado conhece indígenas da tribo Tupinambá, na qual Montaigne discorre nos ensaios no capítulo “sobre os canibais”, um dos mais citados e elogiados do livro.

Montaigne planeja sua aposentadoria, construindo para si uma torre com uma biblioteca, pedindo para gravar nas vigas do teto de sua sala suas frases favoritas, tanto em grego quanto em grego quanto em latim, sendo mais de 60 frases, uma delas “HOMO SUM, HUMANI NIHIL A ME ALIENUM PUTU” (Sou homem e nada do que é humano me é estranho, verso de Terêncio). A ideia era a de que a vida pública o cansava, retirava-se para se libertar (como recomendação dos antigos, como Sêneca). Porém, no retiro Montaigne encontra a perturbação: longe de ser a figura caricata do “pensador que se isola do mundo em uma montanha em busca de uma sabedoria além dessa realidade”, Montaigne escreve como forma de auto investigação, um interlocutor sempre ativo nos acontecimentos. Montaigne é o primeiro a escrever sobre si mesmo, dos grandes acontecimentos as maiores das banalidades (como um capítulo em que fala sobre flatulências). Escreve de forma fluente, sem se preocupar em se contradizer, pois afirmava sempre estar em mudança, talvez influenciado por um de seus livros favoritos: Metamorfose de Ovídio. Assim, Montaigne tem como os Ensaios um único grande livro publicado, que passou 20 anos escrevendo (e provavelmente continuaria escrevendo se não fosse por sua morte).

Montaigne não tem pretensão propositiva em seus escritos, não planeja criar novas teorias, nem buscar as grandes verdades, descreve como um “um livro de boa fé”, como diz nas primeiras linhas de sua obra: se dirige apenas a si mesmo e aos íntimos, algo que provavelmente afaste o leitor que busque por grandes sabedorias e ciência, mas é um convite para um diálogo com um amigo: Etiénne de La Boétie, seu amigo mais íntimo, morreu muito cedo, algo que teve grande impacto para Montaigne: pensou em publicar o Discurso da Servidão Voluntária (de Boétie) no meio aos seus ensaios, mas desistiu pois o texto estava sendo usado pelos protestante em meio as guerras religiosas da França. Ao invés disso, escreveu o capítulo “Vinte e Nove sonetos de Étienne de La Boétie”, embora o dito capítulo com as citações tenha sido perdido da versão original.

É bem possível imaginar que Étienne, mesmo morto, fosse alguém sempre presente ao lado de Montaigne em sua torre, imaginar sua escrita como um longo diálogo com seu amigo mais íntimo: se Montaigne conversava com seu amigo que já havia partido, hoje nós podemos ser felizardos de conversar diretamente com Montaigne nos Ensaios, quase quinhentos anos depois.

“Em geral, os homens voltam-se para fora. Eu, volto-me para dentro de mim, demoro-me na investigação e nela me comprazo. Todos olham para frente, ao passo que eu olho para mim, observando-me, analisando-me. Os outros, se pensam seriamente, tocam para diante: “Ninguém tenta descer em si mesmo”; eu paro, e fico enredar-me no pensamento”

Michel Eyquem de Montaigne (Ensaios II, Cap. XVII)

Referências:

  • Razão Inadequada – Montaigne: A Escrita de Si
  • Michel de Montaigne – Ensaios (Editora 34, Tradução e Notas de Sérgio Milliet)
  • Alejandro Jodorowsky e Marianne Costa – O Caminho do Tarot
  • Bibliothèques Virtuelles Humanistes – La Libraire de Michel de Montaigne

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