Logos

O conceito de “Eterno Retorno” postulado por Nietzsche no livro “A Gaia da Ciência” consiste em interpretar a realidade da vida como mera repetição infinita de acontecimentos finitos, ou seja, a infinidade em si, para o universo, não é nada mais que uma repetição finita de acontecimentos. Assim, mesmo que o número de possibilidades de um universo sejam imensas, ele ainda não será infinito. Esses conceitos partem de um Nietzsche com uma visão científica, criando uma proposta de cosmogênese baseada em ciclos, influenciado pelo grande contexto tecnocientífico da época, sobretudo da termodinâmica.
Assim, Nietzsche levanta a questão das forças, colocando em questão as duas possibilidades levantadas por pensadores da época: um universo onde há um início e um fim, e um em que tudo se repete infinitamente. A primeira parte da suposição da existência de um Deus, onde ele é uma inteligência que organizaria todas essas forças para atingir certo fim. Porém isso é descartado pelo pensamento nietzschiano, Deus está morto e uma das maiores implicações disso é um universo que se repete, o eterno devir cíclico das coisas.

Em um segundo movimento, Nietzsche deixa de lado a questão cosmogônica, e pensa a respeito da mera implicação de uma filosofia em que o eterno retorno possa ser considerado uma possibilidade: se os homens viveram com o medo de pecar e ir para o inferno, ainda que isso não passasse de uma hipótese da doutrina cristã, as implicações que essa ideia trazia para os modos de vida do homem eram reais.

Então levantava-se a mera hipótese: se após a morte uma pessoa repetisse sua vida inteira, sem nenhuma alteração, tudo se repetindo, dores, angústias, prazer, amores. Essa ideia seria algo aterrorizante, ou algo positivo? Se por um lado a filosofia geralmente considerada pessimista de Nietzsche, muito proveniente de influências de Schopenhauer que a vida é essencialmente dor, o Eterno Retorno é um pensamento aterrorizante de tortura eterna. Porém Nietzsche considerava abraçar o Eterno Retorno como afirmação máxima de amor pela vida. 

 

…‘Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem  – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!…” 

— Nietzsche, Gaia da Ciência

Reflexões

Quando Nietzsche realiza o diagnóstico de uma sociedade niilista, onde em uma perspectiva de niilismo negativo vive-se uma vida sem sentido e inconsequente, o Eterno Retorno retorno aqui é uma das maiores ferramentas nietzschianas para resistir ao niilismo (junto com o amor fati). Porém, é uma filosofia pesada, que pode esmagar que a o “aceita” sem o devido cuidado: cada ação realizada, pequena ou grande, é tomada eternamente. Toda vida não vivida, decisões não tomadas e sentimentos enterrados ficariam para sempre, dentro de nós. Isso coloca um grande peso em cada decisão que tomamos ou deixamos de tomar, dando ênfase nossa responsabilidade sobre a vida, já que toda escolha é eterna.

– Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina! ”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes? ‟, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela”

— Nietzsche, Gaia da Ciência

É então questionado aqui: o que é preciso para dizer sim a essa eternidade? Como qualificamos nossa respostas a vida? Como poderemos suportar o maior dos pesos? O próprio Nietzsche de antemão não suporta o eterno retorno, mas se coloca como “quero ser aquele que um dia diz sim”, então cria a obra Zaratrustra, o que pode ser interpretado como “o profeta do eterno retorno”, como personificação de um Nietzsche que diz “sim”.

Desse modo, o eterno retorno é muito mais do que um “exercício mental” para ser aplicado as decisões do cotidiano: suportar o eterno retorno é algo que leva esforço, tempo, um grande preparo para carregar o maior dos pesos: pois nem Zarastustra podia carregar o peso de suas ideias.

A “caricata figura melancólica” aqui é personificada por Schopenhauer, precessor do niilismo que tinha sua concepção de “desejo como falta”, sua solução para o sofrimento era a abdicação dos desejos (tal qual como a prática de monges budistas) e provavelmente seria alguém que diz “não” para o eterno retorno.

Parte da motivação dessa postagem vem do filme “Quando Nietzsche Chorou”, baseado no livro de Irvin D. Yalom,  que também escreveu “A Cura de Schopenhauer”:

Referências:

  • Razão Inadequada — Série do Eterno Retorno
  • Assim Falou Zaratustra — Nietzsche
  • Gaia da Ciência — Nietzsche